4 filmes protagonizados por mulheres para ver em 2020
Retrato de uma Jovem em Chamas, A Vida Invisível, Uma Mulher Alta e Swallow: alguns dos meus filmes preferidos do ano que têm mulheres em primeiro plano
Neste ano assisti filmes maravilhosos com um ponto em comum: eles trazem mulheres como protagonistas (com alguns dirigidos e produzidos por mulheres também). O cinema é, ainda, essencialmente masculino na maior parte de suas produções e do protagonismo nas telas. Ao longo da história, o cinema quase sempre foi feito por homens e para homens. A mulher muitas vezes é reduzida à “recompensa final” do mocinho, portadora sempre de uma beleza estonteante… de acordo com os padrões vigentes, é claro. Nessas produções, a narrativa da mulher não é independente: está sempre associada à trajetória de algum personagem masculino.
Enquanto os homens assistem a si mesmos nas telas, as mulheres assistem a elas sendo observadas por homens. Este pensamento é baseado nas palavras do crítico de arte John Berger, que disse o seguinte em Ways of Seeing: “os homens olham as mulheres. As mulheres se observam sendo olhadas. Isso determina não só as relações entre os homens e as mulheres, mas também a relação das mulheres consigo mesmas”. Neste contexto, acessar filmes feitos a partir de uma perspectiva não-hegemônica é poder expandir suas visões sobre você mesmo a partir da identificação, ou, ainda, se colocar no lugar do outro que é sub-representado. É enxergar a partir de novos olhares.
Agora, vamos à lista de filmes maravilhosos protagonizados por mulheres, todos lançados entre 2019 e 2020. São quatro filmes belíssimos, mas também dolorosos ao expor realidades cruas das vivências femininas.
Retrato de uma Jovem em Chamas
Retrato de uma Jovem em Chamas é arte do início ao fim. Lançado no início deste ano, o filme é ambientado na França do século 18 e mostra a história de uma jovem pintora, Marianne (Noémie Merlant), que é contratada para pintar um retrato de Héloïse (Adèle Haenel) de maneira secreta. Isso porque o retrato será enviado para o futuro marido da jovem, mas ela se opõe ao casamento e se recusa a posar para qualquer artista. Para tentar contornar isso, Marianne finge ser dama de companhia, trabalhando no quadro em segredo. Com o passar dos dias, as duas acabam se ligando de maneira cada vez mais profunda e íntima.
Além do filme ser belíssimo e mostrar com sensibilidade o amor entre duas mulheres, é lindo ver uma produção quase que inteiramente feminina, das atrizes à direção da cineasta francesa Céline Sciamma. Outra mulher incrível que fica nos bastidores (exceto pelas mãos que aparecem na tela) é a artista responsável pelas pinturas, Hélène Delmaire. Ela compartilha seus trabalhos incríveis no Instagram.
A Vida Invisível
A Vida Invisível é um filme lindo, sensível e extremamente triste (pense em uma pessoa que saiu da sala de cinema chorando muito: eu mesma na última ida ao Cine Passeio, em Curitiba, antes da explosão da pandemia). Ele retrata a vida de duas irmãs, da adolescência à velhice, que são cruelmente separadas pela vida. Acompanhando a jornada de cada uma delas, vemos como o peso do machismo dentro da própria família pode destruir sonhos e despedaçar a vida de mulheres geniais.
O filme foi o representante do Brasil ao Oscar em 2019 (acho que deveria ter sido Bacurau, mas enfim, a Vida Invisível também é maravilhoso), e apesar de não ter sido selecionado para a disputa, foi reconhecido em vários festivais de cinema e premiado em Cannes. O longa é inspirado no livro A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha, e tem uma aparição curta, porém brilhante, de Fernanda Montenegro.
Uma Mulher Alta
Uma Mulher Alta é provavelmente muito diferente dos filmes de guerra que você já viu. Principalmente porque ele é contado a partir de uma perspectiva muito invisibilizada, seja no cinema ou pela própria história: a das mulheres. A produção russa acompanha a vida de duas amigas, Iya (Viktoria Miroshnichenko) e Masha (Vasilisa Perelygina), em meio a uma Rússia destroçada após a Segunda Guerra Mundial. Elas tentam reconstruir suas vidas em um ambiente repleto de traumas de guerra, pobreza e morte. O roteiro tem inspiração no livro A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, de Svetlana Aleksiévitch. A fotografia do filme, dirigida pela jovem Kseniya Sereda, é uma obra de arte à parte.
Swallow
Dias atrás assisti Swallow, no Mubi, e desde então esse filme não saiu da minha cabeça. As sensações que senti ao longo dele podem ser resumidas em desconforto e aflição. Pelo nome do filme — traduzido no Brasil como ‘Devorar’ —, pode parecer clichê dizer isso, mas ele é realmente difícil de engolir e digerir. Swallow conta a história de Hunter (Haley Bennett), que parece ter ganhado na loteria do que a sociedade define como sucesso para uma mulher: ela se casou com um marido belo e rico, que permitiu que ela tivesse acesso a uma bela mansão e horas livres para fazer o que quisesse ao longo do dia (além das tarefas domésticas, é claro).
Mas o que parece uma vida perfeita para quem vê de fora não passa de uma representação em que ela tem que fingir ser uma mulher sem defeitos, sobre constantes cobranças do marido e de seus sogros. Presa em um ciclo de infelicidade, ela encontra uma maneira de voltar ao controle sobre si mesma de uma maneira doentia e autodestrutiva: começa a engolir objetos bizarros que encontra pela casa, como uma pilha e um alfinete. A tensão é constante ao longo de toda a trama.
Swallow me lembrou, de certa maneira, o maravilhoso Gone Girl, que mostra a desconstrução da “mulher perfeita”. Em vários momentos a Hunter também me lembrou a Betty Draper, de Mad Men: uma mulher que, à primeira vista, atende a todos os padrões de beleza e parece viver um casamento perfeito, além de ser doce, paciente e delicada como uma boneca de porcelana… mas, ao longo da história (assim como Betty em Mad Men), descobrimos as diferentes camadas que compõe e complexificam Hunter para além do seu rosto bonito.