Acordando ao som dos bichos
Hoje acordei com uma notificação do Spotify no meu celular: um álbum novo da Patti Smith com o Soundwalk Collective. Eu não conhecia este último, que descobri que é um duo formado por Stephan Crasneanscki e Simone Merli. Já a Patti Smith é uma paixão que tenho comigo desde que li Só Garotos, o livro mais famoso dela e que se tornou um dos meus preferidos. Bem, estou agora ouvindo as músicas e é algo bem experimental, poético, bem… Patti Smith. Uma das faixas, Dawn in Rishikesh, é uma gravação de sons da natureza. O piar e cantar de pássaros variados. A melodia me levou para um momento bem específico da minha vida.
Meus pais são de uma cidade bem pequena no interior do Paraná. Desde que me entendo por gente passo parte das férias lá, e era sempre uma experiência mágica para uma criança que crescia em Curitiba. Ir para o interior era conviver diretamente com as plantações de café, comer acerola e jabuticaba do pé, chupar cana cortada no facão, dar milho pras galinhas. Ah, as galinhas! Minha família normalmente ficava na casa da minha vó materna, mas eu sempre dava um jeito de passar umas noites na casa do meu vô, pai do meu pai, onde viviam as galinhas e seus pintinhos, os bois e vacas, o cachorro, os gatos.
Eu arrumava minha trouxa (uma troca de roupa e escova de dentes que enfiava numa sacola) e ia viver a aventura de dormir longe dos meus pais e irmãos. O êxtase dos primeiros passos de independência. Eu dividia a cama com minha tia, mas antes de adormecer ficava reparando em todas as peculiaridades daquele quarto. As paredes eram enfeitadas com quadros, alguns que tinham sido feitos pelas minhas tias anos antes, outros com imagens de Jesus. Também pendia de um gancho na parede um ursinho de pelúcia.
Acordar ali era uma experiência única. O despertar era sempre com os primeiros feixes de luz da manhã, porque a claridade entrava com força pela cortina fina, mas principalmente por causa da algazarra das galinhas e do galo acordando. Junto a eles, dezenas de pássaros. Depois, quem sabe, o latido do cachorro, as folhas das árvores, o vento. Era impossível resistir ao despertador natural. E eu ficava ali, olhando para o teto daquela casa muito antiga pela lente da luz matutina, sendo preenchida pelos sons. Como a faixa do disco que eu ouço agora, no repeat.