Me acorde quando 2020 acabar

Corona has come and passed, the pandemic can never last, wake me up when 2020 ends (desculpa, Billie Joe)

Stephanie D'Ornelas
3 min readSep 24, 2020
Apenas uma colagem da quarentena.

Percebi que na semana que vem começa o mês de outubro. E, então, serão só mais três meses para este ano acabar. Apesar de ninguém ter certeza sobre quando a salvadora do mundo — conhecida também como a vacina contra a Covid-19— surgirá em nossas vidas (se surgir, de acordo com o Átila, mas vamos ser otimistas), parece haver uma espécie de certeza consensual no ar de que em 2021 as coisas voltarão enfim ao “normal” (aspas porque há muito a se discutir sobre a normalização das coisas que nunca estiveram exatamente boas neste país).

Em 2021, teremos nossos corpos vacinados e prontos para sair com os amigos para tomar uma cerveja numa mesa de plástico de boteco sem medo de nos infectarmos e virarmos potenciais vetores da doença para quem amamos. As aulas retornarão, vamos poder planejar viagens e reencontrar todos aqueles que fomos forçados a manter a distância… bem, pelo menos isso é o que a maioria de nós quer acreditar. Precisamos crer que o próximo ano será melhor para termos fôlego para chegar ao fim deste.

É difícil pensar que já é quase outubro porque, na verdade, 2020 foi um ano sem meses. Mais fácil dividi-lo por blocos, a.C. e d.C. (antes e depois do Corona).

Eu faço parte de um grupo de pessoas que está a cada dia menor, de acordo com as pesquisas: as que continuam totalmente isoladas em casa, saindo apenas quando é extremamente essencial. Eu sei que posso fazer isso por ser uma pessoa privilegiada, que pode trabalhar de maneira remota, assim como as pessoas da minha família com quem eu divido essas dezenas de dias de quarentena. Semana passada completou seis meses desde que fui liberada para fazer meu trabalho de casa, e desde então posso contar nos dedos quantas vezes saí do isolamento domiciliar.

Passei por muitas fases neste meio ano em casa, desde o período que sentia raiva de quem integrava aglomerações até a total apatia: cada um com suas escolhas, no Brasil o plano nacional definido para o enfrentamento da pandemia foi cada um agir por si. Se o governo libera a abertura de shoppings, praias, academias, quem vai para esses lugares não está fazendo nada de errado, não está quebrando nenhuma regra. O país escolheu seu presidente e arca com as consequências (incluindo os mais de 4,6 milhões de infectados e mais de 139 mil mortos, de acordo com os números oficiais do dia. E contando).

Toda vez que vou pro interior do Paraná, onde mora parte da minha família, tenho que me preparar psicologicamente para passar oito horas fechada em um carro. É desesperador quando, depois de horas sentada na mesma posição, percebo que ainda falta metade da viagem. Eu torço para conseguir dormir, para o tempo passar mais rápido. Eu sinto que 2020 é uma dessas viagens longas que você não aguenta mais. Mas, diferente do motorista, eu posso adormecer. E diferente dos pesquisadores em busca da vacina ou dos profissionais de saúde na linha de frente, eu posso esperar.

Eu não tenho muito do que reclamar na minha vida pessoal: eu não perdi ninguém próximo a mim, estou com saúde, tenho um emprego… e sou muito grata por tudo isso. Eu posso ficar em casa porque eu tenho um lugar para morar, enquanto milhares de brasileiros não têm nem acesso a esse direito básico. Pensar nisso, e lembrar das manchetes sobre o Jeff Bezos e outros bilionários ficando ainda mais ricos neste período de pandemia, escancara a ruína humanitária que vem de brinde com o capitalismo.

Está tudo bem porque sigo viva, mas não está tudo bem porque sei que, no contexto geral do país e do mundo, as coisas não serão muito mais fáceis daqui para frente. A vida é essa balança entre o eu e o coletivo, e este ano chegou para ressaltar as feridas abertas da desigualdade que nos fazem enxergar nossos próprios privilégios (ou a falta deles) com mais clareza. Mas, mesmo não me sentindo no direito de reclamar demais, tem dias em que me sinto extremamente cansada, querendo dormir até acordar com a notícia de uma vacina eficaz, e então escolher minha melhor roupa para ir até o postinho de saúde.

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Stephanie D'Ornelas
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Written by Stephanie D'Ornelas

brazilian journalist writing about books, art, cinema and more | jornalista curiosa sobre o mundo. aqui escrevo sobre livros, arte, filmes e devaneios

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