O outro lado da rua

Novos olhares sobre o cotidiano

Stephanie D'Ornelas
2 min readFeb 24, 2022
Markus Spiske

Uma vez, no ensino médio, um professor (creio que de filosofia) propôs uma tarefa. Nada que a gente precisasse entregar, apenas uma experiência para nós mesmos. A ideia é que, voltando para casa, andássemos pelo lado da rua em que não costumávamos andar. E então perceber como essa simples troca de lado no trajeto mudava muito o modo como percebíamos a rua. Essa é uma tarefa que mantenho até hoje, tantos anos depois. Quando estou fazendo um percurso por muitas vezes seguidas, experimento um dia caminhar do lado oposto. E é sempre incrível. Porque eu percebo que mesmo que eu achasse que conhecia bem aquele caminho, andar pelo outro lado me traz olhares novos para algo cotidiano. Eu reparo melhor nas flores de um casarão antigo, ando percebendo as pequenezas que tinham passado despercebidas. Uma simples caminhada do mercado para casa ganha novas cores e contornos.

Uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é viajar e ver lugares pela primeira vez. Mas às vezes, o novo surge mesmo na rua que você vive há anos. A maior parte da minha vida, eu vivi em uma rua sem saída de um bairro residencial e pacato. Na infância e adolescência, sempre andava de bicicleta do início ao fim da rua, e sempre parecia encontrar informações novas sobre o caminho. Cada casa atrás de um portão, paredes, janelas, cortinas, era um mundo secreto que às vezes revelava alguns detalhes inéditos. Assim como as pessoas que viviam ali. Havia vizinhos com que nunca conversávamos, mas morando há anos na mesma rua, criava realidades sobre a vida deles na minha cabeça, e cada novo detalhe descoberto sobre aqueles personagens era uma peça a mais nas minhas fantasias.

Essa rua em que eu vivia tinha duas quadras. A quadra “de lá” parecia ter as casas mais bonitas. E também mais árvores, flores e vizinhos misteriosos que pareciam nunca sair do conforto do lar. Uma vez, andando de bicicleta por essa quadra, fui reparando em cada detalhe daquelas casas que me pareciam tão únicas, como em tantas outras vezes. Senti meu coração cheio de paixão por aquele cenário já conhecido, mas sempre com tantas surpresas. Embora a rua fosse esburacada, ainda que a realidade é que as casas eram relativamente simples. Nessa época eu dividia o quarto com a minha irmã, e no meio da noite, quando estávamos as duas deitadas, estava meio desperta e meio adormecida pensando no lado de lá da rua, e disse alto para minha irmã: a rua é tão bonita. Ela não entendeu porque eu disse aquilo e logo nós duas adormecemos.

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Stephanie D'Ornelas

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